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Todo gato diz bom dia

FARIA, Hamilton. Todo gato diz bom dia. São Paulo: Patuá, 2022.

Prefácio
por Eduardo Lacerda

A relação entre escritores e gatos é antiga, mas inesgotável e fascinante, como nos provam e encantam os versos deste novo livro do poeta Hamilton Faria.

Os gatos povoam de mistério o imaginário da vida e da obra de autores como Baudelaire, Ana Cristina Cesar, Orides Fontela, entre outros.

No Ocidente, apesar de cada vez mais amados (e compreendidos) por milhões de pessoas, para muitos ainda representam as coisas ditas negativas. E, principalmente, gatos pretos ainda são relacionados simbolicamente (e erroneamente) ao mal. A ignorância humana não perdoa aqueles que não se entregam aos seus anseios narcísicos.

Já no Oriente, espaço geograficamente, mas tão próximo à própria poesia de Hamilton, gatos não são apenas animais sagrados, mas seres respeitados e admirados.

Hamilton Faria, como um bom poeta, para além dos sentimentos em relação àquilo que canta, seja o amor, as relações sociais, a infância, o sexo, a família, a vida, a morte ou os gatos, sabe como observar, descrever e fazer poesia e poemas com as palavras.

Palavras e poemas, tão semelhantes aos gatos, tão imprevisíveis, misteriosos, tão cheios de vontade própria. Mas um outro poeta, Quintana, já nos alertou “a poesia não se entrega a quem se define”. Impossível definir a poesia. Também não podemos ter a pretensão de definir um gato. Podemos dizer sempre o óbvio sobre eles, como já disse aqui. Que gatos são misteriosos, sim, eles o são. Que gatos têm vontade própria. Sim, eles as têm. Que são imprevisíveis, sim, elas são. E sua própria imprevisibilidade nos impede de os definirmos. Tudo isso é verdade, é óbvio. Mas não é exatamente sobre isso que escreve Hamilton. É sobre um outro animal imprevisível com os quais convivemos. Nós, humanos.

Será então ingênuo pensar que se trata de um livro sobre gatos ou só sobre gatos.

O livro é dividido em três partes Poegatos, com poemas “tradicionais”, em versos, nos quais os gatos aparecem de forma ativa ou passiva, observando ou sendo observados, mas também se confundindo com o próprio poeta (e com nós, os leitores).

Nesta primeira parte, os versos são curtos, apenas duas vezes passam de uma página. São afiados e cada palavra condensa – como um bom poema – o sentido de muitas palavras, principalmente os haicais, que formam quase metada da primeira seção do livro. É importante lembrar que Hamilton Faria é um poeta com muita leitura e conhecimento sobre Haicai e que a forma é inspiração recorrente em sua obra poética, embora não considere haicais os seus poemas curtos.

A segunda parte, Aprender gatos, com prosas poéticas, uma espécie de compêndio, no qual o poeta nos conta o que e como aprendeu com os gatos. Percebam, ainda que os gatos ensinem, sejam os mestres, é o “eu” do poeta que aprende, que é ensinado, que é aluno. Reforço que esse livro deve ser lido não com um livro sobre gatos, mas sobre humanos. Sobre nós, sim, mas não narcísico.

Aqui não aparecemos em situações confortáveis, ao contrário dos gatos.

Por fim, na última parte, Gatil: Observatório Felino, temos algumas frases, que por sua beleza e poder de síntese, considero versos, onde o poeta novamente observa os gatos, é observado e aprende com eles. O eu lírico do poeta ganha ternura e esperança na relação com os fatos, mais do que na relação com os humanos.

Há, no livro, muita dor, humana e muita ternura, humana. Muito afeto, humano e muita esperança, humana.

E, por isso, são alguns dos poemas mais lindos que já li, pois falam sobre o olhar humano sobre o humano, ainda que o olhar seja perpassado por gatos, que auxiliam o poeta nesse exercício de alteridade para com o outro e para consigo mesmo.

Eduardo Lacerda é poeta, produtor cultural e editor da Editora Patuá.

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