
FARIA, Hamilton. miniMAIS. São Paulo: Casa dos Omaguás, 2019.
A coleção POTLATCH chega ao terceiro livro de Hamilton Faria: mínimoIMENSO (2013 e 2ª edição 2014); ínfimoINFINITO (2017) e miniMAIS (2019).
Livros que correm por fora dos circuitos convencionais: de mão em mão, para serem doados, compartilhados ou “esquecidos” em qualquer lugar. Sem autógrafos ou lançamento formais, podem celebrar uma só pessoa ou uma multidão. Potlatch: doação. Inspiração vinda de várias nações dos povos originários da América do Norte, que doavam seus bens uns aos outros e ritualizavam a vida. Nesta coleção, esta herança da humanidade transforma-se em doação de poesia.
As ilustrações e a capa desta obra são de autoria do artista plástico e poeta José Aguilar.
O sentimento maior da proposta é acreditar que a poesia reencanta a palavra e avida.
Casa dos Omaguás
Poesias e sentidos
Escrevo para sobreviver e aprender a vida significativa; para me encantar e deixar humilde rastro de passagem. Na linguagem e na existência.
Tudo o que escrevo é autobiografia; minha imaginação é autobiográfica. O poeta apropria-se de sua vivência prática, imaginativa, espiritual e a transforma em linguagem.
O maravilhoso da poesia é trazer o não dito à superfície e dividir com o mundo os frutos desta vibração; uma segunda natureza, almada, desarmada. Poesia é desarmamento da língua, da linguagem e do espírito.
A poesia leva-me a compreender sutilmente o todo, sem passar pelas partes; com o artesanato cuidadoso que tece a linguagem. Alumbramento.
Mais: um compromisso incorruptível com a vida; um estado de ser, ligado a forças que criam mundos espirituais. Mais do que fazer da língua, linguagem – é um estado de alma, visão de mundo, joalheria das palavras e do idioma. Quem ainda não compreendeu isso faz poemas, não poesia.
A poesia conecta-me com a verdadeira realidade, pede-me uma humanidade profunda, um pertencimento a totalidades maiores: além de palavras, tem olhares, pernas, patas, asas, raízes, folhas, seiva; é sábia como as pedras, movimenta-se como água, com a delicadeza das estações.
É mais metamorfose que revolução. Faz a síntese do novo e do antigo, da razão e da sensibilidade, para criar sua vida própria.
A poesia deixa-me mais próximo de Deus, dá-me um reino delicado e belo onde sou feliz num mundo doentio, quase sem sentido; permite-me celebrar a vida dos seres e habitar cosmos sensíveis.
Com pés no chão, nós, poetas, buscamos o mais alto e dentro, transmutamos o improvável e a dureza das feições, brotamos água do coração da pedra e fazemos a pedra rezar para verter o seu coração de água.
Escrevo para celebrar a palavra e a vida.
Hamilton Faria
São Paulo, dezembro de 2019