“Solto um grito bárbaro sobre os telhados do mundo.”
Walt Whitman, Song of Myself
escreverei a minha dor nos jardins da ignorância
e nascerei de novo onde a semente não germina
e conversarei com Deus
no território sem vassalos
dormirei o sono dos justos
onde todas as fontes se mostram para o sol
amarei os meus cavalos de loucura
e os meus trens que correm horizontes indomáveis
onde o sopro diz sim aos irrelevantes
e o coração não sofre de latrinas
e quando o último poema nascer sem tempo
das raízes de um mundo de metamorfoses
que ainda não nasceu daquilo que a vida anunciou
desde os tempos das primeiras luzes
e sons do universo
aprenderei luzes com a ternura de sábios ancestrais
após chorar o sangue das mães cujos filhos não voltaram
e dos filhos que nasceram açoitados pela morte da inocência
os solidários com as minhas dores e a alegria de estar vivo
fundarão uma tribo inútil de poetas
suprirão os dicionários de frondosas árvores
que dormem nas últimas fronteiras
habitarei nos passos mínimos dos monges
nas correrias lunares dos meninos
com a pulsação de minérios que desconheço
e olharei tudo o que une a serpente ao coração humano
e aos lobos cheios de mistério
com as fontes mais íntimas da vida
e direi palavras de amor à pedra pura
ao gato místico
à menina colorida
ao jovem delicado
despirei as máscaras da dor e abrirei as portas todas
para adentrar no cristalino dia
com timidez frágil e colossal
como quem respira uma eternidade inteira