Quero escrever um Não tão forte nas paredes do país
Que Deus objetasse com os seus cuidados sutis
Escreveria mesmo no coração da pedra
Para soltar raízes
Sobrassem os ventos bons
Mas passo por colunas de homens maus
Sua palavra sem razão
E seus cogitos ordinários
Sou frágil e os meus olhos perscrutam o ímpio
Onde crianças sopram flautas entre animais dóceis
Preciso dizer um Não que escreva a beleza
Nos muros e a memória durma com o sono dos gatos
Que acordam a tarde dos seus dilúvios
Eu queria um Não onde o silêncio gritasse sonhos
Nas escolas
Nos púlpitos
Nos banheiros das casernas
E nos pátios da dor
Mas o que me resta para dizer o Não?
E disse a mãe para seus filhos e filhas:
Filhos e filhas vão colher Nãos nas pradarias dos instantes
Lá onde não tem dor nem choro revoltante
João traga um Não com a tua talhada inocência
Com a cor alegre de um sim
Que conheceu em quintais distantes
Pedro com tua força de ferro traga rostos doloridos
E sonos dos humilhados
E o que resta das mãos de prego carcomido
Não esqueça das feições decepadas pelo sol
e as madrugadas
E traga também a festa em teu bornal
Maria traga a fonte o doente e a face das mulheres corajosas
E dos homens a noite espantada
E correram mundos fundos
Trazendo nãos nas sacolas e nas curvas das feições
Carregando pela noite com ternura de elefante
E força de cem cavalos amanhecentes
Um não com suas honras floridas
Hora de bonança em uma tarde partida
Com o rosto de mil negros
Um jovem sem espada
E uma mulher esquecida
E com velhinhos contentes
E iogues gatos nos cantos
Ronronando nas escadas
E vieram sonhos das meninas e meninos
De poetas descalços
De mães órfãs de pátria
Colhiam restos de abraços
Havia tanta beleza naquele dia tardio
Que a caravana passava e o cão viu
E seguiu
E os muros se esvaneceram
Como o que nunca existiu